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POR UM FIO

Era madrugada, o céu estava limpo e estrelado. O oceano sem fim, calmo e silencioso.

O nadador solitário, Homero Mendes dava braçadas irregulares demostrando grande cansaço. Fazia muitas horas que lutava com a água em busca da vitória: A vitória era a sua vida. Seu colete salva-vidas, que o manteve sobre a água até aquele momento, agora ameaçava puxá-lo para baixo com o peso extra que infiltrou nele por pequenos furos que surgiram no decorrer daquela empreitada. Em breve teria que se desfazer de seu equipamento deficiente e seguir por sua conta e risco. Seu rosto distorcido pelo esforço desprendido não demostrava ter ele apenas vinte e três anos. Parecia ter muito mais.

Enquanto nadava por sua vida, Homero Mendes se recordava, com grande pesar a perda do amigo e companheiro que embarcara com ele naquela aventura, tão intensamente sonhada, de fazer o percurso entre o Brasil e a África do Sul em um pequeno veleiro. Os primeiros dias de viagem tinham sido tranquilos e parecia que tudo terminaria bem, até que foram surpreendidos por uma tempestade no meio da tarde, que levou a embarcação a pique, ao escurecer. O amigo caiu do barco e fora levado pelo vento diante de seus olhos e nada pôde fazer diante o acontecido. Rezava para que ele tivesse conseguido se salvar também, mas achava pouco provável que o companheiro tivesse sobrevivido.

Com a quietude e um céu sem vento, o jovem ouvia somente o estalar de suas braçadas num movimento cada vez mais lento. Com as estrelas como testemunhas, Homero começou a afundar lentamente. Num último esforço, ele retirou o colete salva-vidas encharcado e voltou à tona com esforço redobrado de quem sabe que é a vida que está em jogo.

Ele sempre fora um bom nadador e até ganhou alguns prêmios na faculdade. Agora sem o colete, ele precisava boiar e esperar. Havia relatos de pessoas que em semelhante situação conseguiram se salvar. Homero tinha fé que conseguiria também. Algum dia haveria de contar sua história a filhos e netos, quando tudo não passasse de uma reles lembrança do passado.

Aos poucos o silêncio, as estrelas a observá-lo desinteressadas. O cansaço por horas de luta fez com que Homero começasse a cochilar e a afundar novamente. Com um susto, cuspindo água salgada, ele voltou à tona com dificuldade.

Quando apareceria o resgate?

Quando seu sofrimento teria fim?

Até quando suportaria?

No meio de tudo, começou a lembrar da mãe na despedida no cais a lhe desejar boa sorte, preocupada com a aventura do filho.

— É só um passeio, mãe — dissera ele num último abraço antes da partida. A mãe que o criara sozinha, que batalhara para que o filho se formasse em engenharia de pesca, a mãe que o apoiou naquela travessia, que deveria ser a última maluquice dele antes de começar a trabalhar pra valer e ganhar o seu próprio sustento e dar um descanso a sua mãe que tanto fizera por ele.

— Obrigado, mãe! Obrigado por não desistir de mim quando me envolvi com as pessoa erradas. Quando lhe dei dor de cabeça com meus erros. Obrigado por ter sido uma mãe sempre presente. Obrigado.

Lentamente, Homero Mendes começou a afundar. Suas forças se esvaíram de vez. Ele perdera a batalha de sua vida.

O oceano o engoliu e não devolveu mais.

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