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Homem Anônimo: O REGRESSO

O fusca conversível vermelho saiu da rodovia BR 277 na altura do Km 579, à esquerda de quem vai para Curitiba, e seguiu por uma estrada asfaltada em direção norte. Mal começou a descer a via, que costeava o alambrado da área industrial existente ali, o motorista pôde ver a penitenciária estadual de Cascavel (PEC), que estava movimentada naquele momento. O som de gritos de medo ou dor de uns, e de encorajamento de outros, quebrava o silêncio noturno.

Era por volta de 22 horas de uma noite quente de verão. Mais uma rebelião estourava em uma penitenciária no país.

Carlos Alberto dirigia sem pressa pela via mal iluminada e logo teve que parar e estacionar. Durante toda a tarde ouvira, através dos meios de comunicação, a falação sobre a rebelião dos presos. Motivados por maus tratos, refeições de baixa qualidade e por alguma facção criminosa a lhes dar suporte de fora, um grupo de amotinados conseguira dominar os carcereiros e estavam depredando o patrimônio público. Naquele momento alguns deles estavam sobre o telhado quebrando telhas e arremessando pedaços nos PMs, que acompanhavam de longe, fazendo uma barreira humana para evitar que tentassem fugir. Aproveitavam ainda para ir à forra sobre velhas inimizades e maltratavam seus desafetos. Uma fumaça preta subia vinda do pátio onde outro grupo ateara fogo em colchões — valia tudo para chamar a atenção de fora — dados ainda não oficiais davam conta de que havia pelo menos três mortos e dezenas de feridos.

Do lado de fora do cercado do complexo penitenciário, um grande grupo de pessoas fazia vigilância com grande preocupação. Eram pais, filhos ou esposas de detentos que não arredavam o pé dali por nada.

Apesar de ter passado o dia com o motim, o grupo de detentos continuava incansável sobre o telhado a emitir palavras de baixo calão e arremessar objetos nos policiais que, resignados, acompanhavam tudo sem intenção de intervir, seguindo as ordens superiores de não reagirem às provocações.

Carlos Alberto se misturou a multidão e ficou observando, tomando pé da situação. Até mesmo a mídia estava sendo mantida afastada sob o pretexto de evitar acidentes. Era óbvia a interferência política para evitar o máximo à exposição dos acontecimentos dramáticos que aconteciam ali. Um parâmetro negativo para o governo. Um tipo de propaganda que nenhum político gostava. Através daquela situação insana ficava evidente a falta de interesse e de investimento dos governantes no setor, que carecia urgentemente de ações mais enérgicas.

Carlos Alberto se acocorou um pouco afastado e ficou estudando o cenário. Naquele instante, dois indivíduos com panos em torno do rosto arrastavam um dos reféns, seminu, para a beira do telhado, com cerca de quinze metros de altura. E ficaram ameaçando jogá-lo lá do alto. A crueldade de alguns deles não tinha limites. Infelizmente as leis não são muito precisas em alguns casos. Na mesma cela onde eram mantidos criminosos de alto teor de periculosidade, que dificilmente teriam recuperação, pois entre muitos outros crimes traziam na bagagem assassinatos de vários cidadãos, havia também outros com crimes menores que, com um pouco de boa vontade política e um tratamento digno, poderia sim, ser recuperado e depois de pagar sua dívida com a sociedade, voltar ao convívio comum. Mas mesmos esses recuperáveis acabam se perdendo de vez naquela espécie de escola de crimes, onde a lei é a de quem pode mais, de quem tem mais dinheiro para comprar “favores” e se dar bem, mesmo estando trancafiado.

O indivíduo encapuzado continuava a segurar seu refém, perigosamente, à beira do telhado. Carlos Alberto se levantou e voltou para seu fusca. Já tinha visto o suficiente. Precisava intervir e fazer alguma coisa. Não foi por vontade própria que viera ali. De alguma forma o destino o incumbiu de resolver certos problemas quando o colocou em contato com alienígenas e ele ganhara o traje.

Como poderia ficar só assistindo o desenrolar dos acontecimentos quando tinha o poder para resolver o problema? É verdade que esses mesmos problemas deviam ser resolvidos ou simplesmente evitados pela classe política em toda a sua esfera, que são muito bem remunerados. Mas fazem corpo mole, vista grossa, como se não fosse com eles.

Por que então cada cidadão nesse país paga seus impostos?

  Carlos Alberto embarcou no fusca, deu meia-volta pelo meio das plantações de soja que cresciam na beira esquerda da estrada e voltou por onde veio. A PEC fora construída no final da área industrial e entorno dela, existia terra para lavoura, um pequeno bosque e as fábricas na parte que fazia frente a BR 277.

O fusca saiu na rodovia e seguiu em direção a Curitiba por alguns quilômetros, se distanciando das construções e avançando na escuridão. O movimento de veículos naquele momento era pequeno e, assim que uma carreta passou por ele em sentido contrário, Carlos Alberto acionou um botão escondido embaixo do painel do veículo e ele, com suaves motores elétricos a funcionar, se transformou. Em poucos segundos o fusca conversível ganhou um par de pequenas asas e ganhou uma forma mais achatada, uma cobertura, e novas cores cobriu sua fuselagem e alçou voo, agora era uma nave que singrava o céu noturno. No mesmo instante, obedecendo a um comando mental, o traje saiu do porta luvas e, como uma revoada de abelhas, pequenos circuitos cobriram o corpo de Carlos Alberto e se conectaram se transformando em seu traje verde ardósia com detalhes em branco. As armas de pulso vieram por último e se prenderam em seu antebraço com um clique. Agora estava pronto para a batalha.  Ele dava lugar ao Homem anônimo.

A nave negra fez um grande círculo no céu e tomou o caminho da penitenciária.

À medida que se aproximava pôde ver, sob o luar, o cenário como um todo. Parecia algo surreal e totalmente descabido. Uma densa nuvem de fumaça negra subia do pátio/solário onde se acumulavam pelo menos cinquenta detentos, onde fizeram um amontoado de colhões que, ao queimar, lançava a fumaça tóxica no ar.

O que acontecia sobre o telhado era deprimente, um absurdo sendo executado por mãos humanas; se é o que se podia chamar aquelas feras desse modo. Pareciam com animais selvagens que cultivavam o gosto pela tortura a um semelhante. 

O Homem Anônimo ficou observando ainda de longe um dos encapuzados, havia ao menos uma dúzia deles no telhado, desferir bordoadas com uma barra de ferro no seu refém, completamente subjugado com as mãos amarradas às costas.

Sob o olhar revoltado de Anônimo, o detento arrastou o indivíduo e o lançou lá de cima, com um grito de vitória, como se seu ato fosse digno de comemoração. Ele se voltou então e agarrou outro que estava sendo mantido preso pelos demais e o arrastou até beirada do telhado, enquanto desferia pancadas em suas costas. Como era possível existir alguém assim? A maldade humana, às vezes, não conhece limites.

Quando percebeu a aproximação da nave o encapuzado largou o refém que caiu rente com a beirada. Mais alguns centímetros e ele faria um voo de quinze metros de altura. Com muita sorte podia sobreviver apenas com alguns ossos quebrados.

Todos os amotinados se voltaram para o céu brandindo seus estoques e barras de ferro ameaçadoramente. Nada parecia impingir medo àqueles detentos sedentos de sangue.

“Idiotas” pensou Anônimo com um sorriso amargo. E disparou.

Da parte inferior de sua nave, onde um dispositivo retrátil surgiu, uma onda de raios azulados partiu em leque, atingiu todos os presidiários de uma vez só e fez com que eles desabassem desacordados. 

O Homem Anônimo queria ver eles se acharem agora. O ser humano era um grãozinho de poeira no universo e não podia pensar que era invencível, por que não era. Ninguém era.

Ele aterrissou a nave no telhado, agora silencioso. Somente o refém amarrado estava acordado, perigando despencar. O Homem Anônimo desceu da nave e o arrastou para um lugar seguro, mas não soltou sua mão. Não era tão ingênuo de acreditar que ele pudesse ser boa pessoa porque com certeza não era. Não se encontrava ali por acaso. Podia ser um assassino vil tanto quanto o outro que o maltratava. Caberia aos policiais fazerem a distinção.

Do solário um silêncio assustador se fez presente. Os detentos que se encontravam ali não estavam compreendendo o que se passava, mas logo iam saber que a ordem chegou através daquela nave.

Usando o modo pular do traje o Homem Anônimo saltou do telhado e aterrissou no meio do círculo de detentos também armados com estoques e barras de ferro. Quando viram que se tratava apenas de um intrometido, ousaram acreditar que as coisas continuariam como estavam. Grande engano pensar assim. Iam descobrir que não podiam tudo.

Eles avançaram, todos de uma vez, fechando o círculo, de armas em punhos. Anônimo saltou para trás com uma pirueta e caiu a cinco metros de distância. Então disparou com as duas armas de pulso ao mesmo tempo, atingindo os da linha de frente que foram ao chão com um gemido.

Ao perceberem que não seria tão fácil, os demais pararam.

— Voltem para suas celas — ordenou Anônimo imperioso. — A baderna acaba aqui e agora.

A maioria, confusas com algo tão inesperado, parecia propensa a obedecer, mas alguns que estavam na frente ainda não queriam se dar por vencidos.

— Você não tem nada com isso, estranho — disse um deles com raiva. Tinha uma cara de mau, um olho inchado e roxo e um estoque na mão esquerda que brandia com desenvoltura. — Suma você daqui e nos deixe em paz. A rebelião só terminará quando formos ouvidos ou mortos.

Homem Anônimo balançou a cabeça negativamente e disse:

— Não, você está enganado. Tudo termina agora e sem nenhuma morte. Não será com violência que conseguirão seus direitos se é que ainda tem algum.

O homem de olho roxo deu um passo à frente e uns três ou quatro o seguiram.

— Ninguém nos impedirá de fazermos o que queremos, — disse. E avançou com o estoque em riste, tentando furar a barriga de Anônimo que saiu para o lado e desferiu um potente soco no olho bom do detento, derrubando-o com violência. Seus companheiros também tentaram. Foram recebidos com uma descarga da arma de raio e caíram ao lado.

O Homem Anônimo pôde ver o desânimo nas faces dos demais. A rebelião estava terminada.

— Deixem suas armas aí e voltem para as celas, — pediu com educação Anônimo. Um a um eles obedeceram e, cabisbaixos, seguiram pelo caminho das celas que conheciam muito bem.

Ia ser difícil mantê-los naquele presídio. Tudo estava revirado, boa parte das grades das celas arrancadas, os colchões queimados e tinha lixo espalhado por todo lado. Havia ainda alguns corpos espalhados, mortos de forma cruel. Uns foram separados da cabeça, outros queimados e, pela posição e a fisionomia de dor, ficava evidente terem sido queimados vivos. 

Carlos Alberto, com o estômago embrulhado, saltou para o telhado, embarcou na sua nave e partiu. Pôde ver enquanto se distanciava que os policiais invadiam o local, certos de que tudo estava resolvido. Pelo menos por hora.

O sistema presidiário brasileiro, da forma que está, é uma bomba relógio prestes a explodir. Era só esperar para ver onde seria a próxima rebelião.

“Infelizmente”, pensou Anônimo, “é um tipo de coisa que nenhum super-herói do mundo pode dar jeito”. E nem era assim tão difícil. Se os recursos adquiridos com os impostos fossem investidos do jeito certo, tudo podia ser diferente.

Quem sabe um dia…

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