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DO OUTRO LADO DO PARAÍSO

Conto do outro lado do paraíso - Adão e Eva Amauri Marcondes

Adão estava achando o paraíso um saco. Dias, dias e mais dias sem nada para fazer o estava desgastando a ponto de ter um colapso nervoso, a qualquer momento.

O lugar era lindo, majestoso, não havia dúvidas quanto a isso.

Passava horas observando a natureza e seus encantos, é era maravilhoso, não podia negar. Passava muito tempo conversando com a Eva, mulher que convivia com ele naquele lugar esplendoroso, e era muito bom isso também.

Podia se alimentar de quaisquer frutas que encontrasse, menos o da árvore que ficava no meio do jardim. Como era bom não ter preocupação.

Então por que estava chateado de viver ali no paraíso? Ficara pensando a respeito disso por dias e não conseguia entender o que estava errado com ele. Como podia estar estressado, vivendo num lugar paradisíaco como aquele?

Um dia acordou bem cedo e saiu em uma caminhada pelos limites do jardim. Caminhou por dias, costeando o muro verde feito de arbustos espinhosos, era impossível passar para o outro lado. Por várias vezes já fizera aquele mesmo percurso ao longo de sua vida, mas não sabia se era longa ou curta, pois não se usava marcar o tempo naqueles dias. Marcar os dias pra quê? Tinha todo o tempo do mundo para viver ali naquela… Prisão? Será que era isso afinal? Estava sujeito a viver ali, naquele lugar tão belo para sempre? Por que não podia sair e conhecer novos lugares? O que será que tinha do outro lado da cerca? Qual o problema de ir lá dar um passeio e depois voltar para “casa”?

Estava sentado embaixo de uma árvore descansando quando Eva se aproximou com uma maçã na mão.

— Que fruta é essa, Eva? — perguntou desconfiado.

— É uma maçã, Adão — respondeu a mulher. — Não é linda?

— Mulher maluca. Essa fruta não é do pé proibido?

— Sim, homem. É uma fruta proibida. Que gosto será que tem?

— Não sei e não quero saber — respondeu Adão levantando-se. — O Senhor nos proibiu de se aproximar dessa fruta, bens sabes disso.

— Ele disse que não podíamos se alimentar dela.

— Nem ao menos nos aproximar dela — lembrou ainda Adão.

— Que mal pode haver?

— Se ele proibiu, nós devemos obedecer — declarou Adão. — Ele disse que não devemos…

— Ora, Adão, não me venha com sermão! — pediu Eva. — Bem sei que andas desgostoso de viver aqui nesse lugar maravilhoso. Tenho te observado há dias e sei que não aguenta mais nosso lar.

Adão ficou em silêncio. Se envergonhava de ser pego em sua fraqueza.

— Pois bem — disse Eva. — Também estou cansada desse lugar. Tudo tão bom, tão legal, mas falta alguma coisa. Parece que falta vida para nós, acho que é isso. — Sentenciou. — Nós não vivemos nossa vida em plenitude.

— O que será que nos aconteceria se comêssemos da fruta proibida? — perguntou Adão, enquanto pegava a fruta das mãos de Eva.

— Só vamos saber se experimentarmos — disse Eva olhando para a belíssima maçã nas mãos de Adão.

— Por que será que Ele deixou esse pé de fruta no meio do jardim? Só um pé proibido no meio de tantas árvores frutíferas.

— Acho que para testar nossa obediência — falou Adão.

— Ou deixou justamente para que nós a comêssemos quando quiséssemos ganhar novos conhecimentos, viver nossas vidas por nós mesmos.

— Será? — perguntou Adão duvidoso. — Será que nossa vida pode mudar para a melhor, só por comer uma fruta da árvore proibida?

— Pode mudar, mas não sei se pra melhor — disse Eva. — O que seria melhor pra você? Temos tudo aqui!

— Esse é que é o problema! — exclamou Adão descontente. — Temos tudo, mas não temos vida própria, não servimos para nada, somos dois inúteis.

— Vamos comer a maçã, então? — perguntou Eva pegando a fruta das mãos dele. — Vamos comer e ver no que vai dar?

— Vamos — concordou Adão. — E que o Senhor nos ajude e nos compreenda.

Eva então deu uma mordida na maçã e a entregou a Adão que também deu uma mordida.

— Gostosa! — disse ele enquanto mastigava com gosto.

Eva deu outra mordida e devolveu a fruta para Adão e assim, hora um, hora outro devoraram a maçã. Sentaram-se encostados na árvore da qual estavam embaixo e dormiram profundamente por algumas horas.

Quando acordaram, a primeira coisa que perceberam é que estavam nus, e correram arranjar folhas para esconder suas vergonhas.

— Vocês desobedeceram minha ordem e comeram da fruta proibida, não foi? — perguntou uma voz de trovão vinda não de um lugar específico, mas de todos os lugares.

— Senhor! — exclamaram os dois ao mesmo tempo, envergonhados.

— Eu bem sabia que isso ia acontecer, mais cedo ou mais tarde — continuou a voz. — Com sua desobediência a permanência de vocês no paraíso chegou ao fim. De agora em diante terão que trabalhar de Sol a Sol para ganhar o sustento, terão dor e sofrimento até o dia em que morrerão e, quem sabe, poderão ter uma nova chance de voltar ao paraíso novamente. Até lá muitas águas vão rolar das montanhas.

Depois de dizer isso, uma abertura apareceu na cerca verde.

— Vão! — disse a voz.

De mãos dadas Adão e Eva deixaram o paraíso cabisbaixos, enquanto a abertura se fechava às suas costas. Uma imensidade de terra descortinava até onde suas vistas alcançavam, e mais além.

— Estamos livres — disse Adão com certa alegria na voz, misturado com medo do desconhecido. — Teremos que viver por nós mesmos daqui por diante.

 — Livres!? — exclamou Eva na dúvida. — Sei não Adão, mas acho que fizemos besteira. Trocamos o certo pelo duvidoso. Tínhamos tudo e agora o que temos?

  — Temos a liberdade — disse Adão confiante. Sentia uma alegria que nunca sentira antes. — Temos saúde e podemos trabalhar e ganhar nosso sustento. Me sentirei mais útil aqui fora. A vida terá um sentido.

  — Veremos até quando vai durar essa sua autoconfiança.

 — A árvore proibida não estava no paraíso por acaso, mulher — argumentou Adão. — Não percebe que tudo fazia parte de um plano? É óbvio que o Senhor, que tudo vê e que tudo sabe, que criou o céu e a Terra, os animais, eu e você, sabia que nós, algum dia, íamos se cansar de viver inutilmente debaixo de sua proteção e que íamos querer mais da vida. Esse mais da vida só seria encontrado aqui fora, longe do paraíso.

 — Ele disse que teremos dor e sofrimento — lembrou Eva.

 — Se for para crescermos como pessoa, como verdadeiro filho Dele Nós enfrentaremos tudo o que vier de cabeça erguida. Não é?

  Os dois pararam em baixo de um pé de arvore para descansar um pouco.

  — É verdade, Adão — concordou Eva. — Apesar da nossa desobediência Ele não nos abandonou de fato. Só nos disse que não poderíamos mais viver no paraíso. Nos deu aquilo que você, ou nós queríamos.

 — Sim — concordou Adão. — Nos deu a liberdade e a oportunidade de crescermos como filhos Dele e ter uma vida própria. Deixar de ser um fantoche sem vontade nem interesse por nada.

 — Será então — falou Eva pensativa, — que Ele ficou contente com nossa atitude?

 — Acho que sim, mulher. Acho que era exatamente isso que Deus esperava de nós. Nos criou para sermos algo mais que dois vagabundos tendo vida boa no paraíso. Nosso futuro será outro, pode ter certeza disso.

 — Futuro? — Eva não tinha certeza de que as palavras de Adão tivessem algum sentido. Parecia mais os devaneios de uma mente fantasiosa. — O que nos espera aqui fora, Adão?

 — Do nosso futuro só mesmo o Senhor para saber. Mas tenho a impressão que Ele reservou muita coisa para nós nessa imensidão de terra que construiu.

 Dizendo isso Adão se levantou e começou a esquadrinhar com as mãos o terreno a sua frente.

 — Ali, Eva — mostrou com o indicador. — Vou construir uma cabana para morarmos. O que acha?

 — Vamos construir, Adão — disse Eva se deixando contaminar pelo entusiasmo do Primeiro Homem. — Daqui por diante trabalharemos juntos, como se fossemos uma só pessoa, uma só alma. Formaremos uma família. Se o Senhor espera que nós frutifiquemos não vamos desapontá-lo novamente.

 Assim eles se puseram a trabalhar a terra e tiveram muitos filhos e filhas e deles dependeu toda a raça humana sobre a Terra.

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