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A IRA DE SOLANO

Solano nunca fora um homem de muita paciência. Naquele dia atípico ele devia ter percebido desse o início que sua vida podia acabar mal. Era óbvio, evidente, que forças invisíveis conspirava contra ele e testava seu caráter.

Morava só em um apartamento na zona oeste de Cascavel desde que sua esposa partira. Depois de muitas brigas e desilusões, sua mulher pegou seus “trapos” e partiu em busca da felicidade. Ao seu lado com certeza ela não era feliz, dissera ela na despedida, com o olhar odioso de quem se arrependia amargamente de ter vindo morar com ele.

Tudo bem, pensara Solano na ocasião com um misto de tristeza e alegria. Se perdia a esposa ganhava a liberdade. Parecia uma boa troca ponderara, vendo a morena esbelta seguir para o elevador num gingado provocante.

Naquela manhã de inverno Solano se agasalhou e desceu a garagem pegar o carro, um Ford Fiesta prata, para ir ao trabalho. Fazia cinco graus, fora o vento gelado que soprava do sul, impiedosamente. Destrancou as portas, entrou, colocou a chave na ignição e deu a partida. Trabalhava em um escritório de contabilidade e estava cheio de serviço naquela manhã enfadonha, dava mesmo era vontade de ficar em casa dormindo até o meio dia.

O motor de partida girou, girou e nada do motor pegar. Já ficando nervoso, Solano desligou e tentou de novo. Nada. Várias tentativas se seguiram e não ouve meio de conseguir colocar o carro em funcionamento. Impaciente Solano socou o volante e saiu do carro soltando impropérios. Pegou o celular no bolso para ligar para o socorro e, num descuido, o aparelho lhe escapou das mãos e caiu no piso da garagem e se desfez em muitos pedacinhos.

— Filho da… — totalmente fora de si ele chutou os restos mortais do telefone para debaixo do carro e seguiu a pé até a guarita, onde pediu ao porteiro que chamasse um eletricista de automóvel para socorrê-lo.

Com quase duas horas de atraso, Solano chegou ao trabalho e levou uma mijada do chefe que não quis saber de desculpas. Ainda nervoso com o contratempo, Solano mandou o patrão para o inferno e se achasse que não estava bom que o demitisse.

Foi exatamente o que aconteceu.

Ainda era apenas dez horas da manhã. Uma manhã gelada que não amenizava a cabeça quente de Solano.

Irritado e mal dizendo o mundo, Solano embarcou em seu possante e saiu pela cidade, sem destino. De repente se via num mundo paralelo onde as pessoas o olhavam com olhares reprovadores e uma superioridade que o irritava ainda mais.

Preciso respirar ar puro ou vou explodir pensou ele percebendo que entrava em um mundo perigoso. Dirigia pela rua Carlos Gomes em direção a rodovia BR277 em velocidade bem acima do permitido. Havia um tio que morava em um sitio com sua família que ele não via a anos. Por algum dedo do destino Solano tivera a infeliz ideia de ir visitar o tio ao invés de ir para casa descansar a cabeça e assistir a um bom filme.

Pisando fundo no acelerador, o rapaz passou pelo viaduto da Carelli, contornou na rotatória mais adiante e retornou ganhando a rodovia em sentido a Curitiba. O tio que preparasse um bom almoço que ele ia visitá-lo.

Mas não rodou muito.

Na altura da rotatória conhecida como cruzamento da Portal, local conhecidíssimo da população pelos frequentes acidentes que ocorre praticamente toda a semana, ouve a colisão. Num trecho onde a velocidade máxima permitida é de 70 KM hora, Solano acelerava a 120 quando um motorista distraído cruzou sua frente com uma caminhoneta Toyota preta. Solano só viu um borrão e a batida na sequência. Perdeu a direção ao mesmo tempo em que era prensado pelo erbeg e sentia girar sem controle. O Fiesta capotou três vezes e parou com o rodado para cima, as margens da rodovia. Ouve um momento de vertigem que foi logo substituído pela raiva. Solano não sentia dor somente ódio pelo causador do acidente.

Com dificuldade Solano saiu pela janela quebrada, pois a porta emperrou e não quis abrir e seguiu em direção da Toyota, furibundo. Atingido na traseira a caminhoneta girara e parara no meio da pista. O motorista, um senhor de meia idade, continuava sentado ao volante, lívido de susto. Tentava abrir a porta do veículo para sair mas não conseguia.

Solano o ajudou.

Com brutalidade ele escancarou a porta e agarrou o velho pelo colarinho e tentou arrastá-lo para fora. Este se agarrou ao volante dificultando a ação de Solano que se encontrava quase em transe de tanta ira. Sequer viu que havia mais alguém no banco do carona.

— Venha para fora, seu verme — gritava ele soltando saliva no ar. — Vou lhe ensinar a dirigir direito. A não atravessar a minha frente. A não me atrapalhar, a…

Depois de dois puxão Solano conseguiu arrancar o homem e puxá-lo para fora. Socou-o duas vezes no rosto e deixou-o cair no asfalto gelado. Não satisfeito partiu para cima do motorista caído com chutes e xingamentos.

— Vou lhe ensinar — dizia. — Vou lhe mostrar… Vai aprender…

Ouve então um estampido seco e Solano congelou. Sentiu uma dor penetrante que entrou por suas costas e se espalhou pelo peito. Uma moleza tomou suas pernas enquanto ele tentava se virar. Não conseguiu. Tentou dizer alguma coisa mas mal conseguiu balbuciar palavras ininteligíveis. A terra girou e ele caiu no asfalto negro com o rosto virado para o lado.

Antes do último suspiro, Solano viu um garoto de uns quinze anos segurando um revólver com as duas mãos, apontando para ele, parado junto a porta aberta da caminhonete. A arma devia estar no porta luvas, pensou, fechando os olhos para sempre.

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